Esta imensa reserva de matéria psíquica constituirá a base da nossa individualidade intelectual e moral, e formará a trama da inteligência, mais ou menos rica, sobre a qual borda cada vida novos arabescos. Mas todas estas aquisições não podem manifestar-se de outra forma, que por meio das tendências primitivas que cada um traz ao nascer e que se denominam o caráter. A partir de então, deve existir a mais perfeita inconsciência, e isto é precisamente o que acontece. Mas esta regra tem alguma excepção, pois do mesmo modo que em certos sujeitos se conservou a recordação ao despertar, assim também podem encontrar-se indíviduos que se lembrem de ter vivido. Em alguns, este despertar de antigas sensações ocorre de forma natural.
Apesar do meu desejo em ser o mais sucinto possível, não posso deixar de falar dos casos relativamente numerosos que chegaram ao meu conhecimento e que parecem apoiar de um modo firme a teoria da reencarnação. Semelhante crença é uma evolução contínua do princípio inteligente, tem sido (com ligeiras variantes) a crença dos povos da Índia, dos sacerdotes egípcios, dos druidas e de uma parte dos filósofos gregos. Pitágoras, desafiando a ironia dos seus contemporâneos tinha o costume de dizer publicamente que se recordava de ter sido Hermotimo, Euforbio e um Argonauta.
Juliano o Apóstata recordava-se de ter sido Alejandro de Macedônia. Empédocles afirma "que se recordava de ter sido varão e fêmea". Mas, como nada sabemos referente às circunstâncias que puderam determinar estas afirmações, passaremos aos escritores dos nossos dias que relatam factos da mesma ordem.
Entre os modernos, o grande poeta Lamartine afirma, na sua Voyage au Orient (Viagem ao Oriente) ter tido reminiscências muito claras. Aqui está sua declaração. "Eu não tinha na Judéia nem Bíblia, nem guia algum para me dar o nome dos locais e o antigo nome dos vales e montanhas e, no entanto, reconheci imediatamente o vale de Terebinto e o campo de batalha de Saúl. Ao chegar ao convento os padres confirmaram a exatitude das minhas previsões, encontrando-se os meus companheiros tão assombrados que não podiam acreditar. Do mesmo modo em Séfora tinha designado com o dedo e indicado com o seu próprio nome a uma colina coroada pelo meu castelo arruinado, citando-a como o local provável do nascimento da Virgem. No dia seguinte reconheci ao pé de uma montanha árida, o túmulo dos Macabeos. Com exceção dos vales do Líbano, etc, apenas encontrei na Judéia um lugar, ou uma coisa que não foi para mim uma lembrança. Já vivemos uma vez ou duas mil? A nossa memória não é mais do que uma imagem escura que o sopro de Deus reanima?
Estas reminiscências não podem ser devidas ao despertar de recordações procedentes de leituras, pois a Bíblia, não faz a descrição exata das paisagens em que ocorrem as cenas históricas, encontrando-se simplesmente nela o relato dos acontecimentos. Podem atribuir-se estas intuições tão exatas e precisas a uma clarividência manifestada durante o sonho?
In As Vidas Sucessivas, 1898