A Prática da Concentração (Satipatthana) é uma das práticas básicas do Budismo. O Budismo é famoso, entre a família das religiões, pela clareza da sua aproximação prática, não dogmática, na questão relativa à realização da Verdade. Não é surpreendente, portanto, quando encontramos, exatamente, no coração do Budismo, uma ênfase especial na necessidade do treinamento da mente, a fim de se atingir maior consciência e claridade. Isto é obtido através de recursos razoáveis e práticos, simples, que permitem manter a mente focalizada no presente. Naquilo que é, aqui e agora. Mas isto é algo mais do que simples assunto de treinamento mental ou um expediente no sentido de um “instrumento”, pois a Verdade é aquilo que é. A mente assim treinada, focalizando o simples presente diante de nós, sem a cortina de fumaça das preferências e pensamentos associados, através da qual vemos não aquilo que é, mas aquilo que pensamos a respeito dessa realidade, pode atingir algo que em si mesmo é a “porta para a Imortalidade”. Algo simples, direto, obtido na realização do incriado e, portanto, imortal. Aquela realidade que está sempre em nós, no coração do nosso Ser, oculta pelo véu de pensamentos ignorantes.
O mundo moderno, claramente, tem sede por uma nova aproximação prática, não dogmática, porém científica, para a realização das verdades perenes que qualquer um, indistintamente, sabe que existem. Mas que sentimos obscurecidas, pois não possuímos o contato pessoal, direto, com elas, em virtude de religiões dogmaticamente organizadas. Desta forma, a palavra “religião” adquire nas mentes de algumas pessoas uma associação deformada. É uma pena, pois elas voltarão em desespero as costas a essa “religião” buscando verdades para as quais somente a Religião, no seu verdadeiro sentido, pode permitir acesso. Esta sede para aproximação prática, não dogmática, pode ser saciada através simples prática da Concentração, que é na verdade o “coração da meditação Budista”.
A prática da Concentração tem uma vantagem adicional. O indivíduo, tendo adquirido o seu hábito em meditar, pode e na verdade deve praticá-lo em todas as horas através do dia, qualquer que seja sua ocupação. Não é um exercício de “meditação” limitado a ficarmos “sentados” de uma maneira formal. É verdadeiramente uma nova maneira de viver. Um intensificado estado de consciência no qual, em virtude de permanecermos no presente em vez de envolvidos num nevoeiro de fantasias, a vida será vivida mais plenamente. Longe de interferir com nossa vida e as funções do dia-a-dia, a paz e a clara consciência surgidas tornam o indivíduo muito mais senhor de si mesmo e com a cabeça mais clara nos seus julgamentos. Esta é uma das maiores glórias desta prática. Ela é aplicável em todas as horas e situações.
Estritamente falando, a Concentração não é uma propriedade exclusiva do Budismo. É a própria essência da vida espiritual, onde a religião foi tomada no seu nível mais alto. Uma atividade de tempo integral daqueles seres verdadeiramente dedicados e que são encontrados em todas as religiões. A outra alternativa é a vida de esquecimento, movida por impulso, sente-animal, com todas as suas conseqüências. O nome Concentração pode variar. Pode ser chamado Plena-Atenção, guarda do coração, atenção, sobriedade, domínio dos sentidos, viver em Samadhi, mauna, o silêncio do coração, vazio, santa indiferença, equanimidade, Samatha e Vipassana, Samadhi de Prajna, acittata, o pensamento sem suporte, morte do ego, eliminação do pensamento discursivo, visão daquilo que deve ser visto, e uma procissão de outros nomes. Todos, entretanto, vêm a ser no fim a mesma coisa. Assim como a chamada prática da presença de Deus vem a dar no mesmo, pois é somente através da concentração constante que pode mos estabelecer a consciência na mente. “É a vontade de Deus agindo através de mim. Eu sou somente o seu instrumento”, bem como método o Hua Tou do Zen, ou o método de Ramana Maharshi de perguntar constantemente: “Quem sou eu?” Todos chegaram ao mesmo lugar. É através da Concentração que podemos ver o pensamento assim que ele surge. Antes que ele siga urna cadeia de associações. Pela concentração chegamos a ver o “onde”, e “para onde” ele vai, quando o indivíduo compreende aquilo que realmente não surge nem passa. É por isso que o Buda descreve a Concentração como sendo o “único caminho”, prometendo que “a Concen tração conduz a imortalidade”, advertindo que o esquecimento é a morte”.
Embora não seja, de qualquer forma, uma prerrogativa do Budismo foram, entretanto, os ensinamentos do Buda que deram maior ênfase a prática da Concentração, bem como as mais claras restrições do como colocá-la em prática. Uma coisa é chegar a referências enigmáticas, fragmentárias, em escritos deixados por algum obscuro místico, outra, completamente diferente, e ler as claras e detalhadas descrições a respeito da prática como um tema central encontrado nos discursos da suprema autoridade dessa grande religião. Isto não é surpreendente pois, como dizia o falecido Arcebispo de Canterbury, “o cristianismo é a mais materialista de todas as religiões”. O Budismo pode bem proclamar-se como sendo a mais prática e precisa. Nada omite que seja de valor prático e essencial. Nada acrescenta que seja de interesse puramente teórico. O Buda frequentemente desprezava discussões especulativas por não terem significação prática. Ele, por firme determinação não ensinava dogmas — mesmo que verdadeiros — para serem aceitos pela fé ou intelecto. Conduzia, em vez disso às pessoas, homens comuns, à realização direta, pessoal, da verdade através de si mesmos desde que, como todos condordam, a Verdade Última está além do intelecto. Ele preferia trazer as pessoas face a face com essa verdade através a Concentração em vez de conduzi-las pela Senda Florida da Sofisticação Intelectual.
Essa prática de Concentração, tão central no Budismo, e tratada com detalhes nos textos canônicos que registraram os discursos do Buda, particularmente no “Discurso para a prática da concentração” (Satipatthana Sutta).Há naturalmente, a usual quantidade de trabalhos comentando o assunto. Existem também vários livros escritos por ocidentais a respeito da prática. Dentre eles nota-se “O coração da meditação Budista”, pelo Ven. Nyanaponika. A prática, entretanto, é ensinada sistematicamente no Oriente, especialmente em Burma. Há uma revitalização no interesse nesta técnica tão antiga e, no entanto, eminentemente moderna que se difundiu em muitos países, entre os quais a Inglaterra.
Gostaríamos de apontar um afastamento no método de desenvolver a Concentração que aqui será exposta da maneira que é ensinada na Birmânia, onde a prática é conhecida, comumente, sob o nome de um dos seus pseudônimos — Vipassana. Na Birmânia é costume praticar a “Concentração na respiração” com a atenção colocada no movimento do abdomem durante a respiração. Isto é feito simplesmente para facilitar a observação pois muitas pessoas acham mais fácil, particularmente no começo, centralizar a atenção no movimento grosseiro do abdomem em vez da sensação do ar ao atravessar as naririas. Entretanto, não podemos negar que as descrições clássicas da prática, encontradas nos discursos do Buda e os seus comentários mais antigos, claramente indicam a face como sendo o local ideal para centralizar a atenção. Tal coisa tem gerado alguma oposição à prática como é ensinada na Birmânia, baseada na alegação de ser “uma inovação”. Muitas dessas críticas são tendenciosas e mesmo a crítica sincera tende a aumentar a importância desse pequeno detalhe além da sua proporção. Algumas pessoas têm sido mesmo desencorajadas, deixando de receber os benefícios da prática, o que é uma pena. Para desmanchar tais críticas, a respeito de detalhes menores e essencialmente práticos, preferimos frisar que no ensinamento da atenção ambas as escolas trabalham da mesma forma. Além desse pequeno detalhe a prática aqui escrita é revivida e popularizada na Birmânia sob a adequada orientação de Mahasi Sayadaw em Sasana Yeikta, Rangoon. Temos toda confíança que aqueles que a aplicarem encontrarão a mais simples e prática “porta para a imortalidade”.
"Tende que fazer o esforço. Os Budas mostram o caminho”.
Bhikkhu Mangalo
Centro de Meditação Budista-Biddulph.
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