quinta-feira, 21 de julho de 2011

ALLAN KARDEC E O PRETO VELHO

Pouca gente sabe, mas numa das reuniões realizadas na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, Allan Kardec evocou um Espírito que, segundo as terminologias da cultura brasileira, poderia ser classificado como um “preto velho”. Esse encontro, narrado pelo próprio Kardec nas páginas da sua histórica “Revista Espírita” (Revue Spirite), de junho de 1859, aconteceu na reunião do dia 25 de março de 1859.

Pai César – este o nome do Espírito comunicante – havia desencarnado em 8 de fevereiro também de 1859 com 138 anos de idade – segundo davam conta as notícias da época –, fato este que certamente chamou a atenção do Codificador, que logo se interessou em obter, da Espiritualidade, mais informações sobre o falecido, que havia encerrado a sua existência física perto de Covington, nos Estados Unidos.
Pai César havia nascido na África e tinha sido levado para a Louisiana quando tinha apenas 15 anos.
Antes de iniciar a sessão em que se faria presente Pai César, Allan Kardec indagou ao Espírito São Luís, que coordenava o trabalho, se haveria algum impedimento em evocar aquele companheiro recém-chegado ao Plano Espiritual. Ao que respondeu São Luís que não, prontificando-se, inclusive, a prestar auxílio no intercâmbio. E assim se fez. A comunicação, contudo, mal iniciada, já conclamou os participantes do grupo a muitas reflexões. Na sua mensagem, Pai César desabafou, expondo a todos as mágoas guardadas em seu coração, fruto dos sofrimentos por que passara na Terra em função do preconceito que naqueles dias grassava em ainda maior escala do que hoje. E tamanhas eram as feridas que trazia no peito que chegou a dizer a Kardec que não gostaria de voltar à Terra novamente como negro, estaria assim, no seu entendimento, fugindo da maldade, fruto da ignorância humana. Quando indagado também sobre sua idade, se tinha vivido mesmo 138 anos, Pai César disse não ter certeza, fato compreensível, como esclarece o Codificador, visto que os negros não possuíam, naqueles tempos, registro civil de nascimento, sobretudo os oriundos da África, pelo que só poderiam ter uma noção aproximada da sua idade real.
A comunicação de Pai César certamente ajudou Kardec, em muito, a reforçar as suas teses contra o preconceito, o mesmo preconceito que o levou a fazer, dois anos depois, nas páginas da mesma “Revista Espírita”, em outubro de 1861, a declaração a seguir, na qual deixou patente o papel que o Espiritismo teria no processo evolutivo da Humanidade, ajudando a pôr fim na escuridão que ainda subjuga mentes e corações: “O Espiritismo, restituindo ao espírito o seu verdadeiro papel na criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor.”
Abaixo segue a transcrição da Revue Spirite:
O negro Pai César.
Pai César, homem livre de cor, morto em 8 de fevereiro de 1859, coma idade de 138 anos, perto de Covington, nos Estados Unidos. Era nascido na África e foi conduzido à Lousiana com a idade de cerca de 15 anos. Os restos mortais desse patriarca da raça negra foram acompanhados, ao campo de repouso, por um certo número de habitantes de Covington, e uma multidão de pessoas de cor.
Sociedade, 25 de março de 1859.
1. (A São Luís) Poderíeis nos dizer se podemos chamar o Pai César, de quem acabamos de falar? - R. Sim, eu o ajudarei a vos responder.
Nota. Esse início faz pressagiar o estado do Espírito que se desejava interrogar.
2. Evocação. - R. Que quereis de mim, e o que pode um pobre Espírito como eu em uma reunião como a vossa?
3. Sois mais feliz agora do que quando vivo? - R. Sim, porque minha condição não era boa na Terra.
4. Entretanto, éreis livre; em que sois mais feliz agora? - R. Porque meu Espírito não é mais negro.
Nota. Essa resposta é mais sensata do que parece à primeira vista. Seguramente, o Espírito jamais é negro; ele quis dizer que, como Espírito, não tem mais as humilhações das quais é alvo a raça negra.
5. Vivestes muito tempo; isso aproveitou para o vosso adiantamento? - R. Eu me desgostei na Terra, e não sofri bastante, em uma certa idade, para ter a felicidade de avançar.
6. Em que empregais vosso tempo agora? - R. Procuro esclarecer-me e em que corpo poderei fazê-lo.
7. Que pensáveis dos Brancos, quando vivo? - R. Eram bons, mas orgulhosos de uma brancura da qual não eram a causa.
8. Consideráveis a brancura como uma superioridade? - R. Sim, uma vez que eu era desprezado como negro.
9. (A São Luís). A raça negra é verdadeiramente uma raça inferior? - R. A raça negra desaparecerá da Terra. Ela foi feita para uma latitude diferente da vossa.
10. (A Pai César). Dissestes que procuráveis o corpo pelo qual poderíeis avançar; escolhereis um corpo branco ou um corpo negro? - R. Um branco, porque o desprezo me faria mal.
11. Vivestes realmente a idade que se vos atribui: 138 anos? -R. Não contei bem, pela razão que dissestes.
Nota. Vem-se de fazer a observação de que os negros, não tendo estado civil, sua idade não é julgada senão aproximadamente, sobretudo quando nasceram na África.
12. (A São Luís). Os Brancos se reencarnam, algumas vezes, em corpos negros? - R. Sim, quando, por exemplo, um senhor maltratou um escravo, ele pode pedir para si, por expiação, viver num corpo de negro para sofrer, a seu turno, todos os sofrimentos que fez sentir e, por esse meio, avançar e alcançar o perdão de Deus.

Fonte: Teoria da Conspiração  (http://www.deldebbio.com.br/index.php/2011/04/11/allan-kardec-e-o-preto-velho/) e Portal do Espirito (http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/re/1859/06c-conversas-familiares.html)

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